segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Baby e a paternidade tecnológica das invenções



Agora em Junho de 2008 comemoram-se os 60 anos da criação do primeiro computador eletrônico com programa armazenado em memória. Essa máquina, chamada de SSEM (Small-Scale Experimental Machine), e carinhosamente apelidada de "Baby", foi desenvolvida na Universidade de Manchester, na Inglaterra. E é aí que está o problema.

O alegado pioneirismo britânico certamente irá suscitar num novo embate em torno dos méritos de invenções e descobertas em informática entre britânicos e norte-americanos. (que atribuem esse mérito ao computador EDVAC, desenvolvido nos Estados Unidos). Vale dizer que esses embates compõem uma longa história, na qual, figuram, entre outros, o primeiro computador eletrônico (Colossus vs. ENIAC), a primeira rede de pacotes (Mark I vs. Arpanet), o primeiro sistema de tempo compartilhado (Cambridge vs. MIT) , o primeiro computador de uso comercial (LEO I vs UNIVAC I) e a invenção do sistema de criptografia através de chaves públicas (GCHQ vs. RSA) .

Apesar de serem alvo de recorrentes disputas na história da ciência e da tecnologia, penso que as atribuições de mérito são mecanismos secundários na construção de fatos e artefatos, que, por sua vez, sempre surgem em meio a uma cascata de desvios e reinterpretações de materiais heterogêneos e de dispositivos diversos, e se estabilizam após uma sucessão aleatória de ocasiões e de circunstâncias locais e globais, exploradas por uma multiplicidade de atores, conforme nos apresenta Pierre Lévy no texto “A invenção do computador”, publicado no Volume III do livro "Elementos para uma História das Ciências: de Pasteur ao computador" (Ed. Terramar, Lisboa):

A história da informática (como, aliás, talvez qualquer história) deixa-se discernir como uma distribuição indefinida de momentos e de lugares criativos, uma espécie de metarrede esburacada, desfeita, irregular, em que cada nó, cada ator, define em função dos seus fins a topologia da sua própria rede e interpreta à sua maneira tudo o que lhe vem dos vizinhos. [...] Nesta visão das coisas, as noções de precursor ou de fundador, tomadas num sentido absoluto, têm pouca pertinência. Em contrapartida, podem discernir-se certas operações da parte de atores que desejam impor-se como fundadores, ou designando no passado próximo ou no recente, antepassados prestigiosos de quem se apropriam proclamando-se seus descendentes. Não há “causas” ou “fatores” sociais unívocos, mas circunstâncias, ocasiões, às quais pessoas ou grupos singulares conferem significações diversas. Não há “linhagens” calmas, sucessões tranqüilas, mas golpes de espada vindos de todos os lados, tentativas de embargo e processos sem fim em torno das heranças.


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